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We Hate It When Our Friends Become Successful

  • Foto do escritor: Gabriel Soares
    Gabriel Soares
  • 16 de jun. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 16 de jun. de 2024


Estatísticas, performance, número de plays, número de curtidas, número de comentários, número de seguidores, número de visualizações do story, número de shows, número de ingressos vendidos. A cada novo lançamento, o app do Spotify for Artists mostra em tempo real os stats da sua música, e você fica torcendo para ela atingir a marca de mil plays, depois 10 mil, depois 100 mil e quem sabe ela chegue a 1 milhão pra você poder fazer aquele post avisando os seguidores que a faixa chegou na tão sonhada marca. E aí? O que você consegue é enganar uma parte dos seguidores com a sua suposta relevância e ser invejado por outros artistas que estão nessa mesma luta. Hoje é o seu dia de ostentar sua boa performance, e horas depois o feed do Instagram já volta a te mostrar postagens de artistas que você segue e tenta se fazer amigo porque você quer ser influente, aquele artista que você foi ao show só pra postar um story e marcá-lo já pensando naquele convite para ele participar como feat do seu próximo single. Então, depois de ostentar sua marca o algoritmo vai te encher de postagens com mais likes que a sua, com mais comentários que a sua, com rostos supostamente mais felizes que o seu, com carreiras mais exitosas que a sua e tudo o que vai te restar é aquela velha e amarga sensação na boca toda vez que abre sem querer o feed do seu Instagram e confirma pra você mesmo que você e a sua carreira são um fracasso. Ok. Agora será que os donos do sucesso, dos singles virais, dos posts bombados, dos shows com sold out, será que eles são, afinal, menos infelizes que você? Porque é difícil imaginar que, nessa corrida frenética pelo desempenho, o sossego e a paz se instalem depois que uma meta é atingida. Quanto dura a felicidade do sucesso? Quanto tempo dura a paz de espírito, o sossego, a autocontemplação do êxito? A propósito, fica realmente a dúvida de que essa paz possa mesmo existir por qualquer tempo possível, porque para cada número que pareça bom, dentro do universo de “game” que o mundo digital está inserido, sempre vai existir um número melhor que o seu e que vai fazer você se sentir, outra vez, um perdedor. Fico pensando nesses artistas do big mainstream, como é que eles se sentem. É difícil imaginar que a armadura de milhões de seguidores e likes seja capaz de blindar e proteger a pessoa das mais terríveis angústias nessa corrida sem fim por atenção. Tudo vira brecha e “oportunidade”, e se você piscar pode perder a chance de se promover. O episódio recente das enchentes no Rio Grande do Sul escancarou de vez o mercado das oportunidades que toda tragédia oferece. Influencers não podem ficar de fora de nenhum buzz do momento, e não faltaram disputas para mostrar quem é mais filantrópico que o outro. Por trás dos shows beneficentes e das ações aparentemente desprovidas de interesse estão as janelas de oportunidades que nenhum manager de carreiras deixará escapar. O palco já não é há muito tempo o lugar onde o artista atua, eu diria até que é a parte talvez menos importante. O grande palco virou a vida mesma do artista, o “conteúdo” diário de postagens, intrigas, escândalos, teasers, lançamentos, choros, filantropias, tretas, textões-acusatórios, confissões, pedidos de perdão, enfim... o mundo digital transformou a vida do artista num palco ubíquo e num grande confessionário de cristal onde, dependendo do dia e da circunstância, o artista faz o papel de puta ou de padre. Todos os dias surgem histórias de traições, conflitos, brigas, divórcios e até agressões que no final do dia parecem cada vez mais encenadas, combinadas entre as partes, casualmente forjadas, preparando algum novo lançamento, sempre pensando no melhor resultado possível dentro do algoritmo. É óbvio que isso não começou agora e também existia na era analógica, mas o teatro agora é muito mais escancarado, a encenação menos sofisticada, e a exigência de excelência por parte do público muito menos efetiva. O modelo matemático dominou praticamente todas as carreiras, especialmente as da música. Não há filantropia nos curadores dos festivais, nos donos das casas de shows e nos organizadores de turnê. Números, você precisa de números. Ou você os tem ou não tem. Não é surpresa pra ninguém que hoje o artista investe muito mais tempo definindo estratégia de divulgação do que na produção da obra em si. A carreira musical virou puro modelo matemático. Críticos de música cederam lugar a analistas de dados. Discos são gravados e pensados para se tornarem virais. Canções são comprimidas em durações cada vez mais curtas porque a ansiedade do ouvinte está cada vez maior e porque é mais rentável uma faixa de um minuto e meio que pode entrar no repeat de uma playlist. Na semana passada reli um texto antigo que não lia desde a época de faculdade de jornalismo. É impressionante o caráter premonitório de Walter Benjamin. Em A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica, Walter Benjamin abre o ensaio com um excerto otimista de Paul Valery sobre o efeito das transformações técnicas na criação artística. “É preciso ter em conta que as grandes novidades vão transformar toda a técnica das artes e passarão a influenciar tanto a inventividade, chegando talvez a modificar de maneira maravilhosa a noção mesma da arte”. Para Benjamin, o problema da reprodutibilidade estava diretamente ligada à obra de arte, já que desde as primeiras criações artísticas, os seres humanos também mostravam a vontade não só de guardá-las, de extrair toda a sua aura, ou seja, seu caráter irrepetível, mas também, se possível, de reproduzi-las. A autenticidade depende do aqui e agora, da impossibilidade de se repetir, só pode ser único se for uma única vez. O texto de Benjamin tem caráter antecipatório porque hoje em dia fica cada vez mais escancarada a simbiose entre criação e reprodução. “A obra de arte reproduzida se converte, cada vez mais, na reprodução de uma obra artística concebida para ser reproduzida”. Na época em que o texto foi escrito, oitenta anos atrás, a crítica levava em conta o surgimento do cinema, e o aparato da câmera hoje pode ser muito bem atualizado para a tela de retina do nosso celular. “Hoje se atua para um aparato [...] o ser humano se coloca na situação de ter que atuar com todo o seu corpo e sua pessoa renunciando a aura artística [...] o aparato ocupa o lugar do público”. Benjamin cita a crítica de Georges Duhamell sobre o cinema e que poderia perfeitamente se atualizar para a crítica da obra de arte na era da internet. “Passatempo para tontos, um espetáculo que não exige nenhum esforço, que não formula nenhuma pergunta, que não aborda com seriedade nenhum problema [...] que não ilumina nenhuma luz no fundo dos corações, que não excita nenhuma outra esperança que não seja o ridículo desejo de se converter um dia em uma estrela de Los Angeles”. Poderíamos dizer que em 2024 estamos assim, infectados pelo comportamento hater confessado por Morrissey décadas atrás, lutando para conseguir ser um dia um influencer de maior engajamento. Como diz a canção, it’s really laughable! ;)





 
 
 

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